Entrevista com Thais Rocha Carvalho, autora de "Perséfone e Hécate: A Representação das Deusas na Poesia Grega Arcaica"

CAVERNA DE HEKATE - Thais, primeiramente muito obrigada por aceitar participar desta entrevista. É uma honra conhecer um pouco mais sobre você e seu maravilhoso trabalho, ainda mais poder compartilhar com os leitores e leitoras do Caverna de Hekate. O material sobre Hekate em português é escasso e encontrar alguém da área acadêmica que pesquisa sobre a deusa é um grande presente! Gostaria de começar pedindo para que você se apresente, fale um pouco de você, da sua formação acadêmica e do seu trabalho.

THAIS - Primeiramente, gostaria de agradecer o convite! É sempre maravilhoso poder falar sobre a Grécia e suas deusas e fico muito feliz que meu trabalho esteja chegando em públicos além do acadêmico – afinal, a pesquisa científico-acadêmica, especialmente a desenvolvida em universidades públicas, é para todos!

Agora vamos à apresentação: me chamo Thais (assino meus trabalhos acadêmicos com meu nome completo: Thais Rocha Carvalho) e sou mestra e doutoranda em Letras Clássicas pela Universidade de São Paulo. Me graduei em Letras (também na USP), sendo bacharela em Português e Grego Antigo e licenciada em Letras Português. No mestrado, estudei as deusas Perséfone e Hécate na literatura do período arcaico, período histórico da Grécia que vai dos séculos VIII a VI a.C.

Além de pesquisadora acadêmica, também sou escritora, tradutora e revisora.

CAVERNA DE HEKATE - Como surgiu o seu interesse por essa área de pesquisa? Especialmente como surgiu o interesse em Hekate? E o mais te intriga nela?

THAIS - Vou contar essa história para vocês de um jeito um pouquinho mais pessoal do que eu costumo fazer quando me perguntam isso no meio acadêmico...

Na graduação temos a oportunidade de desenvolver estudos chamados “iniciação científica”, que funcionam como um primeiro contato com a pesquisa acadêmica como ela é feita na pós-graduação. Eu tinha acabado de terminar minha primeira iniciação e estava um pouco desmotivada porque, apesar de ter estudado um poema grego muito interessante, chamado Os fenômenos, eu não me via continuando minha carreira acadêmica com aquele tema. 

Estava um dia passeando pela biblioteca, quando me deparei com um livro contendo o texto grego e a tradução em inglês d’Os Papiros Gregos Mágicos. A magia sempre me interessou muito, desde a pré-adolescência eu já tido alguns contatos com a bruxaria de uma forma geral e inicial. Então, aquele livro me intrigou muito. Peguei-o e fui lendo um pouco dele.

Os Papiros Mágicos são um conjunto muito interessante de textos, de um período já mais tardio da Grécia, o período helenístico (IV-II a.C.), e reúne pequenos feitiços e práticas mágicas. Muitas deusas gregas figuram nele, mas como era uma época de muita diversidade, há várias influências: como a romana e até mesmo judaica (aparecem até alguns anjos vez ou outra!).

Mas o que me marcou mesmo foi a presença bastante frequente de Hécate. Isso me fez querer entender melhor como ela tinha chegado a essa caracterização tão forte de deusa da magia – porque veja, nos períodos anteriores não era assim que ela aparecia!

Resolvi, então, voltar ao começo, aos primeiros textos literários gregos que chegaram até nós e ir investigar como ela era caracterizada no período arcaico. E o mais interessante, como concluo na minha dissertação, é justamente o quão multifacetada Hécate é nesse período. As aparições que ela faz na poesia do período arcaico são poucas, mas em cada uma ela aparece de um jeito diferente.

CAVERNA DE HEKATE - Você poderia compartilhar conosco um pouco da sua visão pessoal de Hekate?

THAIS - Pessoalmente, eu acho que as apropriações modernas feitas em torno de Hécate atrapalham muito o entendimento da importância da deusa em seu contexto original. Ela é uma deusa que tem algo de misteriosa mesmo para os gregos antigos. Existem várias teorias de que ela teria sido uma deusa oriental agregada ao panteão grego posteriormente e há diversas caracterizações dela na literatura antiga.

Esse seu caráter original multifacetado para mim é o que há de mais interessante nela, porque abre uma gama de possibilidades incríveis. No fundo, ela é uma deusa mediadora, e o que a magia é senão exatamente isso? Uma forma de mediar nosso encontro com aquilo que não podemos compreender em sua totalidade...

CAVERNA DE HEKATE - Você tem alguma recomendação para as pessoas leigas que gostariam de iniciar os estudos sobre a literatura grega?

THAIS - Não tenham medo de ir direto à fonte! 

Dicionários de mitologia podem ser recursos muito úteis, mas nada substitui a leitura dos textos de fato. Particularmente, eu sempre recomendo a leitura da Teogonia de Hesíodo (temos uma tradução muito boa e acessível, do professor Christian Werner, publicada pela editora Hedra). A Teogonia, como seu nome diz, conta sobre a origem dos deuses, então acho o melhor lugar para começar: literalmente o começo.

Além desse, leiam também Homero, tragédias e, para quem ama histórias sobre os deuses, os Hinos Homéricos. Minha tradução do Hino Homérico a Deméter está disponível de forma gratuita nesse link.

CAVERNA DE HEKATE - E quanto aos estudos sobre Hekate, você tem algo a nos recomendar?

THAIS - Em português é mais escasso, mas temos uma especialista importantíssima na arqueologia, a professora Haiganuch Sarian. Ela estudou diversas estátuas de Hécate e é internacionalmente reconhecida por seus trabalhos arqueológicos.

Para quem lê em inglês, recomendo demais duas autoras que guiaram muito meus trabalhos: Jenny Strauss Clay e Sarah Iles Johnston. Hesiod’s cosmos, da Clay, e Hekate soteira, da Johnston, não saíram da minha mão durante o mestrado.

CAVERNA DE HEKATE - Onde podemos ter acesso às suas publicações? Por onde podemos acompanhar o seu trabalho?

THAIS - Tudo que eu publico academicamente deixo disponível no site Academia.edu, nesse link.

Para quem quiser me ouvir falando mais genericamente sobre livros e afins, tenho um Instagram: @writerthaisrocha

CAVERNA DE HEKATE - Você pretende trazer mais publicações sobre Hekate no futuro? Se sim, poderia nos contar um pouco sobre? Vi que no ano passado (2020) você publicou uma tradução de "O Hino a Hécate de Hesíodo". Há mais alguma tradução a caminho?

THAIS - Na minha pesquisa de doutorado acabei seguindo um caminho um pouco diferente (focando mais nas mulheres gregas, ao invés das deusas), mas com certeza voltarei a Hécate (e Perséfone também!) em algum ponto.

Sobre Hécate tenho dois artigos publicados: essa tradução do Hino de Hesíodo e uma pequena análise da Hécate como ela aparece em Macbeth, de Shakespeare (os dois estão no meu Academia.edu). 

Em algum momento espero poder traduzir e estudar um poema muito interessante, o Idílio 2, de Teócrito, que descreve um ritual mágico realizado por uma mulher grega. Nele, ela chama Hécate para presidir e a ajudar em seus trabalhos. Já existem traduções brasileiras desse poema com análises focadas em outros aspectos, mas pretendo um dia poder analisá-lo tendo Hécate como foco central.

CAVERNA DE HEKATE - Mais alguma coisa que você gostaria de acrescentar?

THAIS - Vou só reforçar a quem gosta desses assuntos, de literaturas antigas e períodos históricos antigos num geral, que procurem os trabalhos acadêmicos publicados. Temos muita pesquisa de muita qualidade sendo feita no Brasil e a maioria desses estudos são disponibilizados de graça – todas as teses e dissertações desenvolvidas em universidades públicas são, obrigatoriamente, disponibilizadas de graça em pdf nos sites dessas universidades. No site que eu mencionei, o Academia.edu, os pesquisadores compartilham seus próprios estudos, sempre de graça, então temos muito material disponível sobre diversos assuntos!